Discutir os caminhos da agricultura, evidenciar os conflitos com os monocultivos intensivos em agrotóxicos, fomentar a troca de saberes entre diversos atores na região, esses foram alguns dos objetivos da Caravana Agroecológica e Cultural do Leste Paulista, realizada entre os dias 08 e 10 de novembro de 2013. Organizada por diversas entidades que compõem a Articulação Paulista de Agroecologia (APA), percorreu quatro rotas passando por Campinas, Jaguariúna, Americana, Piracicaba, Araras e Bragança Paulista.

caravana

Cerca de cinquenta participantes presenciaram, no Centro Cultural de Integração e Inclusão Social da Unicamp, a abertura das atividades. Além de visitar a feira Pé na Roça, da agricultura familiar, economia solidária e produtos orgânicos, na ocasião foi apresentado o projeto permanente de extensão universitária “Sexta na Estação”, que tem como objetivo principal promover um espaço de debate sobre Agroecologia. Conheceram ainda na universidade o espaço Sementeira, um acervo bibliográfico e videográfico em agroecologia e áreas correlatas. O grupo de samba “Projeto Alvorada”, de estudantes da Unicamp, encerrou as atividades no primeiro dia da caravana.

Instalados na Vila Yamaguishi, em Jaguariúna (SP), local referência em orgânicos na região, os participantes acompanharam a apresentação e discussão sobre o histórico de ocupação regional do leste paulista. Francisco Miguel Corrales, da Embrapa Meio Ambiente, destacou a importância das organizações e movimentos nesse processo de transição agroecológica apontando diversos projetos da Rede de Agroecologia do Leste Paulista nessa consolidação. As visitas contaram com o apoio de um monitor e um responsável pelos contatos locais com os agricultores, além de pessoas que fizeram a cobertura e sistematizaram as experiências. Esta equipe foi coordenada pela professora Giovanna Fagundes e seus alunos, do projeto de extensão em Agroecologia da Unicamp. Vila Yamaguishi

Fundada em 1987 em Jaguariúna por um grupo de cinco recém-formados em agronomia e veterinária que tinham o ideário de buscar um modelo de agricultura alternativa, devido às experiências negativas em suas famílias com a produção com agrotóxicos, criaram um projeto de inspiração anarquista. Segundo Romeu Leite, morador do sítio e coordenador de avicultura da vila, esse conceito foi criado em 1953 por Miyozo Yamaguishi e propõe a constituição de uma rede global de comunidades baseadas em formas horizontais de relações, produção e troca que considerem em sua essência a harmonia com o ambiente. Após três anos em contato com essa corrente, seus fundadores no Brasil criaram uma vila onde famílias de voluntários se estabelecem procurando um estilo de vida mais igualitário.

“A administração é feita através de reuniões diárias coletivas, onde prevalece a lógica de tomada de decisões através de consensos e as rendas obtidas pelo grupo são posse coletiva. Um diferencial importante é que suas decisões partem de uma base de valores onde o senso de bem estar coletivo, cooperação e felicidade são mais importantes que as questões monetárias. É uma referência em produção de base ecológica no leste paulista”.

Alinhada com os princípios da agricultura natural, começaram com a produção voltada para auto-consumo e hoje é referência na região. A produção de ovos orgânicos é integrada à produção vegetal com mais de 70 variedades, como banana, mandioca, milho, pupunha, agroflorestas e horticultura. Seu forte ainda é a produção de ovos orgânicos, com cerca 8.000 galinhas poedeiras que são criadas soltas e alimentadas com ração orgânica feita pelo grupo. Tudo é reaproveitado, seu cultivo tem um sistema integrado, desde o esterco das aves e suínos até a sobra de alimentos são utilizados para compostagem. Assim garantem um adubo de qualidade, sem a dependência de insumos externos. Todos saem ganhando: agricultor, consumidor e meio ambiente.

Rotação de culturas, cultivos agroflorestais e policultivos, fundamentados na agroecologia, são praticados na Vila. Com a preservação de matas e o reflorestamento foi possível revitalizar uma nascente, visando a preservação do local inclusive para os animais silvestres. Também oferecem educação ambiental na região, e ajudam comunidades no entorno com a limpeza e repovoamento dos rios da região.

Desde meados de 2001 a comercialização dos produtos é feita diretamente com o consumidor. A experiência negativa com supermercados mostrou que a comercialização sem atravessadores além de garantir maior renda ao agricultor promove uma diminuição do custo do produto ao consumidor. Atualmente, realizam quatro feiras em Campinas e enviam produtos para a feira do Ibirapuera, na capital paulista. O principal meio de comercialização são as entregas a domicilio dos produtos orgânicos do sítio.

caravanaleste

Outras experiências em Campinas

Também na região de Campinas, a Horta Comunitária Cio da Terra, no Parque Itajaí, colocou em questão a importância da adoção dos princípios da agroecologia pelas práticas de agricultura urbana e sua relação direta com a segurança alimentar e nutricional. Construída a partir dos anos 2000, foi crescendo depois que recebeu um terreno da prefeitura para viabilizar um projeto de assistência a pessoas de baixa renda no bairro. Apesar do investimento, o terreno da horta ficou abandonado cerca de dez anos até que o agricultor João Novais, fundador da horta, revitalizou o local. Aquilo que começou como terapia para tratar um problema pessoal de saúde foi crescendo, e apareceram compradores para as hortaliças. As pessoas do bairro começaram a participar do empreendimento, que no início utilizava adubo químico e agrotóxico, e a produção foi aumentando. A prefeitura, através do Departamento de Trabalho e Renda, formalizou a associação.

A Cio da Terra, por meio de um projeto da Unicamp em parceria com a prefeitura, adotou os princípios da agroecologia e começou sua produção orgânica. O curso também possibilitou o intercâmbio com outras experiências e a construção de uma rede. Após altos e baixos e a consolidação de novos projetos, hoje cerca de vinte famílias são cadastradas. Já ganhou prêmios de sustentabilidade ambiental, e aumentou seu número de consumidores. Atualmente tem um ponto de venda que permite à comunidade o acesso a alimentos de boa qualidade por um baixo preço, mas ainda enfrenta grandes problemas de estruturação e falta de reconhecimento pelo poder público.

Americana e Piracicaba

Passando por Americana, aconteceu a visita à Cooperacra, que funciona como distribuidora regional de produtos orgânicos e agroecológicos da agricultura familiar. Com cerca de trinta agricultores e diversos produtos, o projeto começou com poucas vendas e algumas doações para famílias carentes e creches. Hoje atende em média 1.800 pessoas em três creches, via o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e querem investir no beneficiamento dos seus produtos.

Membro da cooperativa, o agricultor e poeta João Alves relatou que após muitas dificuldades na luta pela legalização da terra os assentados se uniram e permaneceram nas terras. A dificuldade, segundo ele, é envolver mais pessoas e ampliar o projeto. “O trabalho da produção agrícola é pesado e acaba desmotivando muitas pessoas que inicialmente entraram no projeto”, disse.

Para facilitar a comercialização dos produtos fundaram a associação, mas há 16 anos continuam lutando pela documentação que legaliza as posses. Isso dificulta na participação de projetos de financiamento, além de dificultar o pequeno agricultor a acessar informações sobre editais. Entraves impostos pela vigilância sanitária, pelas políticas públicas e pela indústria de saúde são alguns dos desafios do empreendimento. A agrofloresta é um dos trabalhos realizados, e em todas as falas dos agricultores vemos um carinho muito grande pelo trabalho no campo e pela permanência do projeto, cuidando para envolver os jovens a participar do dia a dia do trabalho. A caravana percorreu a enorme biodiversidade cultivada na área.

Um Sistema Agroflorestal, também na região de Americana, foi visitado. A área existe desde 1989 e tem mais de cem espécies diferentes, principalmente frutas. A horta primavera, também no entorno, existe desde 2006 e vende a produção no local. Esses projetos recebem um incentivo de água e luz pela prefeitura, e há também uma política de incentivo à ocupação de espaços públicos com hortas urbanas.

Nas visitas a Piracicaba, por sua vez, a caravana passou por sítios orgânicos rodeados de plantações de cana de açúcar e usinas. Essas experiências sofrem enorme pressão do agronegócio e da indústria. A diversidade de legumes, hortaliças e frutas é visível.

Orgânicos em Araras

Na região, foram visitadas propriedades da agricultura familiar, como o assentamento Araras 3, no município de Araras. Bananais, produção diversificada de hortaliças, dentre outras culturas. A família visitada participa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desde 1990, e seus lotes hoje demarcados começaram a produção orgânica no início de 2013. Desde a concessão da terra em 1997, os agricultores utilizavam muitos fertilizantes, pesticidas e inseticidas químicos, e hoje têm dificuldade para a transição orgânica, inclusive pela falta de assistência técnica e das exigências da certificação orgânica. Comercializam atualmente para uma grande rede de supermercado na região.

Na fazenda Boa Esperança, município de Leme, foi servida uma feijoada vegetariana aos participantes e as irmãs Clarissa e Juliana Mansur narraram o histórico da propriedade e suas motivações para abandonar suas carreiras urbanas, como nutricionista e administradora de empresas. Elas adotaram uma produção agroecológica, através das práticas da agricultura natural, e praticam a venda direta através da entrega semanal de cestas de produtos. O local também promove vivências terapêuticas, cursos, e almoços. Suas principais dificuldades também estão relacionadas à certificação para conseguirem acesso ao mercado de produtos orgânicos com agregação de valor. Ainda no município de Leme, engenheiro agrônomo e integrante do sistema participativo de garantia da Associação de Agricultura Natural de Campinas, Otávio Faria, impressionou os participantes ao mostrar sua produção extremamente diversificada em meio às plantações de cana no entorno. Ele faz uso bem sucedido da homeopatia.

Cooperativas em Bragança Paulista

Após uma breve performance do grupo de teatro local, realizada na Central de Processamento da Cooperativa Entre Serras e Águas, Vanina Sperendio, vice-presidente da Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista e coordenadora do curso de nutrição, falou sobre a importância de se adquirir produtos da agricultura familiar, especialmente orgânicos, para a qualidade da alimentação escolar. Desde 2010 seu município tem essa preferência, embora encontre muitas dificuldades para manter esta postura devido às mudanças na gestão pública.

A deputada e fundadora da Associação Bragantina de Combate ao Câncer (ABCC), Rita Valle, disse que sua entidade recebe produtos da agricultura familiar, incluindo orgânicos, através do PAA. Cidadãos em tratamento oncológico, incluindo seu marido, foram liberados pelo nutricionista para consumir morangos orgânicos, após longos períodos se alimentando de suplementos. É muito importante esse programa na região, segundo Leandro Caetano, representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Bragança Paulista. Ele também falou sobre o processo de adequação às regras do programa e o trabalho conjunto com a Cooperativa de melhoria dos sistemas de controle de distribuição, qualidade e prestação de contas.

O fundador e secretário Cooperativa, Hatsu Ono, agricultor familiar orgânico, destacou a mudança nos destinos dos agricultores após o lançamento dos programas do governo de incentivo à agricultura familiar. Relatou, no entanto, a dificuldade de se obter mão-de-obra, especialmente para os mais velhos, pois é difícil manter a atividade. Sua filha, a jornalista Andréa Ono, ressaltou a importância da qualidade da alimentação escolar na região. Para ela, além de referência de saúde é um mercado para pequenos agricultores que garante a sobrevivência da família no campo. Por outro lado a jornalista criticou a omissão de gestores públicos com relação ao cumprimento efetivo de políticas públicas. O prefeito de Bragança, Fernão Dias Leme, falou sobre as dificuldades de implementar o Programa Nacional de Alimentação Escolar devido à terceirização da alimentação escolar, mas comprometeu-se a viabilizar o programa.

Na outra rota de Bragança Paulista, na propriedade de Vilda Bertoldi, com plantações de uva e ponkan com tratamento homeopático, foi debatido o fato de a poluição da cidade estar prejudicando sua plantação. Por isso ela não pode ser certificada como produtora orgânica. Depois dessa visita a Caravana seguiu para o Parque Ecológico Monsenhor Emilio José Salim, em Campinas, local da maior feira de produtos orgânicos da região. Promovida pela Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC) há 22 anos, atualmente a permanência da feira é questionada pela Central de Parques Urbanos, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado. A resolução nº 21 de maio de 2011 determina aos feirantes o pagamento de 32,5% da renda bruta auferida na feira, taxa que inviabiliza a continuidade da feira. Os feirantes recolheram cerca de 800 assinaturas apoiando a permanência da feira, e fizeram uma passeata junto aos frequentadores do parque em defesa da feira e da área de preservação que vem sendo ameaçada pela especulação imobiliária.

Os participantes da caravana interagiram com os produtores, conheceram e adquiriram produtos da região e seguiram então para o Casarão do Parque Ecológico, onde foi servido o almoço e iniciada uma rodada de impressões e discussões acerca das experiências vivenciadas. A Caravana renovou e ampliou as forças da luta pela Agroecologia em cada comunidade representada. Na ocasião foi construído um manifesto em favor da agricultura familiar, agroecologia e produção orgânica. O documento faz críticas ao modelo de desenvolvimento rural hegemônico no Brasil, apontando alguns dos seus males, e exige um modelo de desenvolvimento sustentável e justo no campo. Os agrotóxicos e transgênicos são os principais problemas evidenciados no manifesto, embora documentos das Nações Unidas tenham apontado a agroecologia como o único enfoque capaz de enfrentar os desafios das mudanças climáticas e de garantir a segurança alimentar e nutricional no mundo.

Síntese elaborada pela secretaria executiva da ANA a partir de relatório elaborado por Romeu Mattos Leite e Giovanna Fagundes.

Relatório completo em:

http://www.agroecologia.org.br/index.php/publicacoes/publicacoes-da-ana/publicacoes-da-ana/relatorio-caravana-leste-paulista-8-a-10-nov-2013/download

 

CARAVANA AGROECOLÓGICA E CULTURAL do Leste Paulista